ENTREVISTA COM LUCIENE FERREIRA
YUB:
Como você foi apresentada ao Tarô?
LUCIENE FERREIRA:
Eu conheci o Tarô como cliente. Eu tenho uma amiga, a Lúcia Franco, que jogava pra mim e achava aquilo muito legal. Ela usava o Tarô Mitológico. Eu sou uma pessoa muito racional, meio cética, mas aquilo eu achava interessante. Ela fazia a leitura mais para orientação, autoconhecimento. Creio que o Tarô Mitológico puxa muito para esse lado. E ela vivia falando comigo que eu devia jogar o Tarô. Porque para essa minha amiga, ler o Tarô é como se contar uma história. E ela achava que eu tinha o dom de contar histórias. Só que eu achava que aquilo não era para mim. Eu considerava que o Tarô só podia ser lido por pessoas especiais, que tinham um dom específico. E eu não me via com nenhum dom diferente.
Conheci o Rogério Novo (há sete anos e meio), que foi meu grande incentivador. Ele já estudava o Tarô há mais tempo. E, certa vez, ele me presenteou com o livro. O Curso Completo de Tarô, do Nei Naiff. E aí fui uma aluna aplicadíssima. Fiz todas as lições do livro. Quando errava, me questionava o porquê, mandava e-mails para o Nei, discutia com Rogério. E ao fazer o curso, eu percebi que não tinha nada daquilo: de que para se jogar o Tarô, tem que ser especial. Não precisava ter um dom sobrenatural para jogar o Tarô, que eu também tinha capacidade de aprender o Tarô.
Hoje eu já acho que o Tarô é como qualquer atividade, qualquer profissão. O talento, o dom, é ótimo. Ele não é absolutamente necessário para se aprender algo. Se eu quisesse fazer medicina, eu poderia fazer. Mas eu acho que seria uma péssima médica, porque eu correria de qualquer seringa, entendeu? Mas posso; nada me impede que eu estude Medicina. Agora, a diferença entre o bom médico e o médico medíocre é o talento. Eu acho que com o Tarô ocorre a mesma coisa. A diferença entre ser um tarólogo diferenciado e um tarólogo medíocre também é o talento. Então, eu acho que o Tarô se dá melhor com as pessoas sensíveis, que tenham, principalmente, o talento para escutar, ouvir. Não exige nenhum dom sobrenatural, mas acho que ele pede o talento de ouvir o outro, de compreender, de se colocar no lugar do outro e estar disponível a orientar o outro. Então, foi assim que fui apresentada ao Tarô, meio que de repente.
YUB: Daí em diante, quanto tempo demorou para você começar a jogar para amigos, amigas?
LUCIENE FERREIRA:
Foi quase que imediatamente. Foi uma coisa muito meteórica. E isso me assustou, quando me dei conta. Eu comecei a estudar pelo livro do Nei, mas não fiquei só nele. Estudei também outros autores. Mas comecei a testar meus conhecimentos imediatamente. Eu sou muito perfeccionista. Pra mim, o “muito bom” não basta. Tem de ser excelente. E comecei a testar com amigos, de uma forma imediata mesmo, um mês depois de iniciar o estudo minucioso do livro do Nei.
Quando eu percebi, com um ano mais ou menos, eu já não atendia mais amigos. Atendia amigos de amigos e já tinha gente me ligando, perguntando quanto eu cobrava.
YUB: até então, você não cobrava?
LUCIENE FERREIRA:
Não. Meus amigos eram meus cobaias. Mesmo os amigos dos amigos. No princípio, lia com um livrinho do lado. Falava: “Peraí, deixa eu confirmar aqui.” Depois, ousei um pouco mais e só confirmava com o livrinho depois da consulta. Até que, eu me lembro muito bem, uma grande amiga minha, que virou cliente e aluna, a Angela Santoro, falou: “Lu, pára de ler no livro. Por que você fica olhando no livro? Você não precisa mais disso.” Aí, um ano depois disso, começaram a perguntar quanto eu cobrava. Tomei um susto. Mas sabe quando o universo parece te chamar? Coisa que eu acho está acontecendo agora, de que chegou a hora de escrever um livro. Naquela época, então, eu tomei um susto. E não fazia mais sentido jogar para estranhos, criando toda uma expectativa e eu também precisando investir, porque, claro, passei para outros livros e mais outros livros.
YUB: Foi ao acaso também – e te surpreendeu – começar a dar aulas? Ou você, desde quando começou a estudar, praticar, você já pensava em dar aulas?
LUCIENE FERREIRA:
Também foi por acaso. Tudo na minha vida surge meio por acaso. Ah! Uma coisa engraçada. Eu também sou jornalista. E sempre tive muita paciência com os “focas”, como chamamos os novatos ou estagiários, sempre gostei de ensinar. Eu sempre gostei de ser alguém que estimula os novos talentos. E no Tarô foi muito engraçado.
Tinha uns dois anos que eu estudava o tarô, quando trouxe o Gian aqui para BH. Conheci o Gian pelo Orkut e iniciamos uma amizade. Então, eu o trouxe para ministrar um curso aqui. Trouxe uma vez. Trouxe uma segunda vez. E foi uma experiência muito rica. Conseguimos criar um grupo de tarólogos muito interessante. Na segunda vez do Gian aqui, os alunos encomendaram a ele o curso sobre o Método Mandala. Ele disse que só poderia ministrar tal Curso se o pessoal soubesse Arcanos Menores. E a maioria não sabia. Houve a reclamação com o Gian que aqui em BH é difícil, não se conhecia quem poderia dar o Curso sobre Arcanos Menores. E ele, na frente de todo mundo, disse: “Vocês têm uma das melhores tarólogas aqui.” Gente, é mesmo?!? Quem? Indaguei. Ele respondeu: “você”. E eu tomei aquele susto. (risos). Depois eu o xinguei. Disse: “Você está ficando maluco? Tá doido?” Só que a gente conversava muito, discutia, trocava ideias, por e-mail. E ele não sabia ainda que eu tinha tão pouco tempo com o Tarô. Quando eu falei, ele se surpreendeu. E o povo todo, então, veio me pressionar para dar o Curso sobre Arcanos Menores.
Eu levei mais alguns meses para formatar e ter a coragem de dar um curso. Eu não queria oferecer um curso “meia-boca.” Eu não queria simplesmente ser um livro ambulante. E aceitei esse desafio. Eu sabia a dificuldade do pessoal porque também tinha tido dificuldades com o aprendizado dos Menores. Resolvi mergulhar ainda mais nos estudos para tentar achar um jeito de repassar esse conhecimento de um modo bacana. E tive um insight de uma metodologia, de um jeito de fazer o curso, de ensinar sem fazer as pessoas decorarem, mas compreenderem os Arcanos Menores. E assim eu dei o curso sobre Menores. Continuei e foram cinco turmas.
Mas eu comecei a ter procura de pessoas que não sabiam nada sobre o tarô, ou seja, demandavam o curso completo. Percebi que tinham mais alunos que desejavam aprender do início do alunos que queriam continuar os estudos. E veio toda a necessidade de elaborar um Curso Completo segundo essa metodologia diferente, que não fica Mago é isso, Sacerdotisa é aquilo, etc. E é o curso que ofereço atualmente, em parceria também com o Rogério. E eu acho que cheguei num formato muito interessante, que é, de fato, completo. Não é total, porque o Tarô não permite um formato fechado, mas aborda os aspectos básicos que permitem iniciar essa carreira.
YUB: por falar em carreira, você é jornalista (como já falou na entrevista). Existe semelhanças entre a profissão de jornalista e a profissão de tarólogo? O que da jornalista Luciene Ferreira você leva para a Taróloga Luciene Ferreira?
LUCIENE FERREIRA:
Eu acho que é essa facilidade de ouvir. A gente tem de saber ouvir. Aliás, o jornalista mais ouve do que fala. E ele é treinado a ouvir aquilo que a pessoa nem quer falar. Só que o jornalista pressiona o entrevistado. Já o Tarólogo, não.
No jornal, eu ouço com o ouvido da razão, do intelecto. No Tarô, eu ouço com o coração, com algo mais que a razão. Porque aí o objetivo é outro. Não é fazer nem um furo, não é desvendar nenhuma notícia. O objetivo com o tarô é desvendar a alma e ajudar o consulente a compreender a própria alma. Isso eu acho que me ajudou, eu tenho a paciência de escutar. Se um bom jornalista não tiver paciência, ele não conseguirá a matéria.
Outra semelhança é a facilidade de relatar, de transmitir para o consulente a mensagem que o tarô traz. O tarólogo precisa olhar para as cartas e compreender a história que elas estão mostrando. Saber o que a carta está dizendo naquele momento para aquela pessoa. Não podemos ser tão herméticos. Claro que as cartas do tarô têm um grande valor simbólico, prezo muito por isso. Sei que o símbolo tem um poder tão misterioso, tão transformador que não precisamos de mais nada para misturar ao tarô. Mas é preciso interpretar o jogo. É preciso compreender o contexto, saber o que as cartas naquele momento está dizendo para aquele pessoa, em seu contexto.. Porque não acho que o Tarô é matemática, ele não trata só de razão. Ele também envolve intuição, sentimento. Então, um par de Arcanos para uma pessoa pode dizer uma coisa e para outra algo diferente. Tudo bem que o tarólogo não vai fugir do seu significado lato. Mas a linguagem do Tarô amplifica, de acordo com o contexto. A gente não pode se limitar. Tem muita coisa na Carta. O próprio desenho dela. Eu já tive surpresas significativas com o desenho da carta. Também já ouvi de colegas essas surpresas.
YUB: Que tipo de surpresa?
LUCIENE FERREIRA:
Por exemplo: o Arcano O Carro já surgiu pra mim como questões ligadas a veículo mesmo (carro de verdade, aquele veículo que se locomove). Ou A Lua já me deu insights sobre alguma questão ligada à noite. Ou O Sol ligado a um lugar realmente ensolarado. É claro que quando sair O Sol eu não vou recomendar “Vai tomar sol”, claro que não. (Risos). Mas, sabe, depende?
Tem um caso muito interessante. Aconteceu durante o último Curso Completo, no qual a gente treina muito. Um dia, uma aluna chegou aqui atrasada e chorosa. Ela estava muito chateada porque perdera a apostila. Aí ela, super-chateada, dizia que não sabia onde colocara a apostila. Eu disse para ela se acalmar, porque eu poderia dar uma outra para ela. Mas ela queria achar a sua apostila. Então, o pessoal resolveu jogar o Tarô para ver se ela ia achar a apostila. Eles jogaram aquele método de três cartas: Situação – Desenvolvimento – Resultado.
Na Situação, saiu o Louco. Ela meio desorientada, desnorteada, negligente. Tinha perdido de fato a apostila. No Desenvolvimento, saiu o Pendurado. No Resultado, o Mundo. Se fosse ler simplesmente a simbologia, pelo sentido lato, ela não iria conseguir achar a apostila. O Louco não acha nada; pelo contrário, é um perdido. O Pendurado, idem, né? Não sai do lugar. E o Mundo avisaria para virar essa página. Mas preste atenção na pergunta. Não era uma questão do plano material corriqueiro..
Porém, na hora que eu vi aquele Pendurado, me veio um insight. Insight é aquela coisa, né? Todo mundo acha alguma coisa, mas não consegue explicar como é. O Louco mostrava que a apostila foi deixada em algum lugar, distraidamente, por negligência. Mas o Pendurado podia indicar onde ela estava. E questionei o pessoal: será que não foi deixada num lugar tipo “pendurado” atrás de um guarda-roupa, debaixo do banco do carro, alguma coisa assim?
E o pessoal começou a “viajar na maionese”, a vislumbrar as possibilidades de locais que fossem semelhantes a essa situação do Pendurado. Numa consulta, não poderíamos fazer o que fizemos. Mas na sala de aula, estávamos exercitando e podíamos divagar nessas possibilidades. Chegamos à conclusão de que a apostila estaria agarrada atrás de algum lugar. E começamos até a rir da situação. Terminou a aula, minha aluna foi correndo até sua casa. Ela mora aqui perto. E ligou. O pessoal ainda estava por aqui. Disse que, chegando em casa, foi até o guarda-roupa, abriu uma gaveta e a apostila estava “pendurada” atrás dela. Sabe quando a gente abre uma gaveta e algo cai no espaço de trás da gaveta que foi puxada? Estava lá. (risos).
Um ex-aluno meu, hoje profissional e grande amigo, o Marcelo Martuchele, me contou uma situação interessantíssima. No Mandala que jogou para um cliente dele, saiu na Casa 2 o par o Carro e o 5 de Ouros. Bem, o Carro é movimento. A Casa 2 é a do dinheiro, ou seja, dinheiro entrando e saindo rapidamente, certo? O 5 de ouros é prejuízo. De qualquer forma, movimento financeiro. Ele leu que o dinheiro estava entrando, mas que o cliente não estava conseguindo reter. Ou seja, nesse movimento, poderia haver um prejuízo. E o Marcelo ousou e disse ao cliente: que poderia ser um prejuízo, inclusive, com o seu carro, um gasto inesperado.
Uma semana depois, o cliente ligou e disse que teve um prejuízo com o carro. Não me lembro agora se foi o motor que fundiu ou outro problema. De todo modo, o símbolo mostrou algo do próprio desenho do Arcano.
E outro exemplo interessante ocorreu com o próprio Marcelo. Ele quis compartilhar comigo que não sabia se estava viajando demais em cima de algo que compartilhei com ele outro dia. Eu lhe disse que, quando estava observando A Sacerdotisa (faço isso com os Arcanos), percebi que se comunicava de alguma maneira, que ela prefere se comunicar de maneira virtual ou por escrito. Ela não tem o dom da fala, mas da escrita. Eu estava checando isso em alguns jogos e percebi que quando ela saía, a pessoa não estava falando, mas às vezes ela escrevia. Ela tinha dificuldade em se pronunciar, mas se pusesse um papel e uma caneta, ela podia se manifestar. E estava reparando isso em alguns jogos.
Então, o Marcelo me ligou e disse que estava com A Sacerdotisa e o 5 de Ouros, mais uma vez, na Casa 2 de seu Mandala. O mesmo 5 de Ouros. Bom, o dinheiro está limitado e pode ter algum pequeno prejuízo. Ele ficou um pouco grilado. No mesmo dia, à tarde (ele me ligara cedo), o computador dele pifou. Ele ficou sem se comunicar.
YUB: Você falou sobre o 5 de Ouros, mas se o consulente tivesse visto antes é um prejuízo que ele poderia evitar?
LUCIENE FERREIRA: Bem, o 5 de Ouros é consequência do 4, que é a inércia. Então é um prejuízo provocado pela inércia da própria pessoa ou por negligência. Não é um castigo do universo, é livre-arbítrio. Mesmo se for um assalto, provavelmente a pessoa saiu com o dinheiro no bolso e não estava observando, ou algo assim.
YUB: No caso, se o consulente seguisse o conselho e tivesse feito uma revisão no carro…
LUCIENE FERREIRA: Sim, ele quis economizar no passado e acabou tendo um prejuízo em função dessa atitude.
YUB: Você vem ministrando vários cursos de Tarô há alguns anos, não só o completo, mas outros cursos avançados. Você observa uma visão senso-comum, deturpada do Tarô, que os alunos trazem para a sala de aula e que é difícil mudar? Algum vício que a maioria dos alunos traz e que precisa ser trabalhado?
LUCIENE FERREIRA:
Eu vejo o preconceito. Não é nem só dos alunos, mas das pessoas em geral. Meus colegas no trabalho, por exemplo. E vejo que é uma espécie de missão que eu tenho. Quebrar esses preconceitos contra o Tarô. De falar do Tarô com naturalidade.
Trabalho na Assembléia Legislativa há quase cinco anos. Sou assessora de imprensa. Primeiro eu escondia, hoje tudo mundo sabe que eu sou Taróloga. Atendo várias pessoas da Assembléia. Já dei até uma oficina de tarô lá. O que eu achava inimaginável quando entrei. Aos poucos eu fui quebrando esse preconceito. Mas ainda hoje eu o vejo. Sabe como? Pessoas chegam pra mim e dizem: “Fiquei sabendo que você joga búzios.” Eu respondo: “Búzios não, eu jogo Tarô.” Outras falam: “Fiquei sabendo que você faz mapa astral.” Eu respondo: “Não, eu só jogo Tarô.” “Lu, lê minha mão.” Então, as pessoas não sabem exatamente o que é o Tarô, o que é jogar Tarô. Acham que é aquela coisa de ler o futuro. Aí, se é carta, mão, etc., elas não sabem a diferença.
Alguns alunos também chegam com esse preconceito.. E eu acho legal, porque eu meio que quebro esse paradigma. Mesmo no curso completo eu atendo alunos que já conhecem o tarô, que não são completos neófitos. Chegam com uma bagagem e eu vejo a diferença com aqueles que nunca tiveram contato. Eles chegam com aquele preconceito: “será que eu vou dar conta de usar o Tarô, será que eu tenho esse dom?” Aos poucos, vou quebrando essa visão. E eles vão percebendo que o Tarô é muito mais que adivinhação.
YUB: além desses preconceitos, existem outras dificuldades que os alunos trazem que você precisa lidar, intervir e mudar?
LUCIENE FERREIRA:
Primeiro é a ansiedade. As pessoas chegam aqui querendo jogar já no dia seguinte. Eu sempre falo: “Tarô é um estudo PARA SEMPRE.” Não é um curso, seja de quantas horas for, que vai te completar. Eu não me sinto completa. Eu me deparo com desafios todos os dias, ainda tenho dúvidas, entendeu? Estou sempre descobrindo dicas que eu ainda não tinha percebido sobre determinado Arcano em determinada Casa. Aquela história de você, numa leitura, não viu algo que depois o cliente te fala e você diz para si mesmo: “Tava ali!! Como não enxerguei?” Bem que o Tarô falou! Mas você não estava atento para aquela possibilidade. Não enxergou, não ousou na interpretação, tal como o Marcelo fez. Ele teve coragem de dizer para o cliente ter cuidado que o prejuízo financeiro provavelmente ocorreria com o carro deste.
O Tarô sempre acerta. Quem erra é o Tarólogo. Por omissão, estupidez, por visão limitada, por preconceito, por não ouvir a intuição. Há muito preconceito contra a intuição. Por que outros sentidos valem e a intuição não? Ela é um sentido tão importante ou até mais que o paladar, do que a audição. Por que esse preconceito de não usar a intuição? Isso é conversa de iluminista, de gente que quer dividir as pessoas, como se cada um pudesse ser só pensamento, ou só sentimento. A gente é tudo. Qualquer atitude minha está imbuída de um pensamento, de um sentimento, e de uma intuição, por que não? Eu acho que o Tarô proporciona isso! Ele muda o seu olhar. Ele te permite olhar o ser de uma maneira diferente. E se você está cheio de barreiras e preconceitos, você não irá fazer uma boa leitura.
Olhe a importância de uma intuição. Hoje, a maioria dos meus clientes são pessoas que nunca vi, claro que tem aqueles que voltam sempre, mas não são exatamente amigos. Numa consulta recente, fui atender uma pessoa que veio pela primeira vez. No momento em que abri a primeira Casa do Mandala, pelo naipe, eu já saquei o tom da conversa. Era um arcano do naipe de Copas, emocional. Se bem que isso não quer dizer grande coisa não, porque 99.9% dos questinamentos são no campo emocional, afetivo. No caso dela, o par Mago / Cavaleiro de Copas na Casa Central, apontava que um novo amor estava surgindo, o próprio encantamento, né? Mas um encantamento efêmero, que vale uma atenção. E logo na Casa 1 saiu O Enamorado. Ela cheia de dúvidas.
É muito importante a conversa entre o cliente e o tarólogo, porque eu não sou uma vidente. Perguntando para ela, ela me confirmou que o que realmente a impulsionou até aqui foi a dúvida entre duas pessoas.
Mas eu não sei por que, o tempo todo eu achava que se tratava de um caso homossexual. Não havia exatamente um carta que indicava isso, mas o tempo todo, abrindo os pares de Arcanos nas Casas na evolução da leitura, eu tive esse insight. Eu olhava a carta e meu coração dizia, pela minha intuição, que se tratava de uma outra pessoa do mesmo sexo dela. Ou seja, uma mulher. Mas eu não conhecia essa minha cliente. E ainda a sentia bastante fechada.
Perguntei se ela era casada e ela me disse que acabara de terminar um casamento. E disse que estava em dúvida entre o parceiro anterior e um outro parceiro. E eu tinha pra mim que era uma NOVA parceira. Não tinha um Arcano que me levava a pensar isso. Um cavaleiro não podia levar a essa conclusão. O que me levava a pensar assim? Não sei. Perguntei se era um casamento de papel passado e tudo. Ela confirmou. Eu continuava lendo e ela dando a entender que era um homem, um parceiro novo, mas isso me deixava inquieta.
Como estava embolado ali entre o parceiro e o amante, eu sugeri que a gente fizesse um outro jogo. O Templo de Afrodite. Primeiro um com o ex-marido. E depois um com o amante. Eu fiz a leitura como se fosse para um homem, como ela estava sugerindo. Saiu A Justiça. Quer coisa mais assexuada do que A Justiça? Eu perguntei para ela: “É uma mulher?” Ela respirou aliviada. Falei com leveza a leitura para ela. Pois não era eu quem estava com preconceito. Era ela. E, nossa! Essa outra mulher era uma coisa maravilhosa que estava surgindo na vida dessa minha consulente.
O Tarô estava o tempo todo dizendo: “moça, invista neste novo amor!” Então, a intuição é importantíssima. E isso não tem nada de sobrenatural. É muito natural! A intuição é um sentido humano. Não tem nada de espiritual, eu não tinha nenhum guia me falando isso. A intuição é muito natural. Considero que a própria história do Tarô, o qual era muito ligado ao misticismo, se deparou com uma época em que se quis dissociá-lo disso. E acabou jogando fora a água junto com o bebê, ou seja, desvalorizando a importância da intuição na prática tarológica. Como ocorreu com o movimento Ilumista que achava, e com razão, que as pessoas eram usadas como massa de manobra pela Igreja, que aproveitava a fé das pessoas para transformar isso em crendice e ferramenta de domínio. Os primeiros iluministas queriam combater a superstição que dominou a Idade Média e criaram, com isso, a Era da Razão, que desqualificou sentimentos como religiosidade em prol do pensamento racional. Isso distanciou o homem de sua intuição.
YUB: Se sua filha decidisse largar tudo e ser exclusivamente Taróloga, como você reagiria?
LUCIENE FERREIRA:
Eu iria chamá-la de doida, primeiro. (risos) Mas, eu ia dar a maior força para ela. Viver só do Tarô não é fácil. Como não é fácil viver de qualquer profissão que não são regulamentadas. O tarô faz parte das profissões que não são socialmente aceitas. Ainda é visto como hobby. Embora, hoje, o Tarô me dê tanto dinheiro quanto o jornalismo, mas sei que não é fácil.
Então, eu diria para minha filha que se ela realmente quisesse, ela ralaria demais até chegar num nível de viver exclusivamente do Tarô. Porque ainda não é muito valorizado, sabe? E é muito sazonal. Chega fim de ano, não tem horário para consulta. Entre janeiro e o carnaval, que as pessoas já gastaram muito com réveillon, férias e estão economizando o que ainda podem para o carnaval, aí o tarólogo vai para as cucuias, né? Não interessa nenhuma orientação.
Assim, é muito sazonal. Mas isso ocorre também com outras profissões.
YUB: quais os livros de Tarô que você indicaria para a pessoa que está iniciando esse estudo?
LUCIENE FERREIRA:
Eu acho que sempre deve iniciar pelo que eu iniciei: o Curso Completo de Tarô, do Nei Naiff. Ele dá as informações básicas para uma pessoa ter uma noção do que é o Tarô. É estudá-lo, não é só lê-lo não. É fazer direitinho o que o Professor Nei manda. (risos) Fazer as lições, sem olhar o gabarito. Voltar quando erra. Questionar-se. Estudar.
A Trilogia do Nei, também eu acho fundamental. Eu gosto muito do Hajo Banzhaf. Gosto muito da Sallie Nichols, que tem o livro Jung e o Tarô. Rachel Pollack também, com seu 78 Graus de Sabedoria, neste caso dos arcanos maiores porque os menores já não são muito dentro da linha clássica. Tarô Mitológico, acho que as autoras Juliet Sharman Burke e Liz Greene fizeram um belo trabalho sobre o perfil psicológico dos arcanos. Acho que elas foram felizes na comparação com os mitos, embora tenha críticas por terem alterado a ordem das casas. Mas como comparação eu acho bom. E tem ainda os clássicos como Crowley, Etteila, Papus. Mas, estes, devem ser lidos mais adiante. Para começar mesmo, o “primeiro livro de Tarô”, é o do Nei Naiff: Curso Completo de Tarô.
YUB: você e a Ju, você e o Marcelo, enfim, vocês já compartilharam comigo questões que envolvem a criação de métodos e a discussão dos mesmos. Então, gostaria de saber: como é o processo de criar um método?
LUCIENE FERREIRA:
Na realidade, eu sozinha criei apenas um. Eu criei um método, que é o Caracol, inspirado por uma aluna, a Akemi Alice. Eu e Juliana Diniz criamos o Taça de Eros, uma adaptação do Cegonha para casos de investigação amorosa, para saber se a pessoa está aberta ou pronta para uma relação amorosa. Marcelo mesmo já criou alguns. E rearranjou outros, como a inversão que ele fez do Método A Ferradura. A Ferradura é um Método usado para questões práticas. O desenho dela é com a base para cima. E o Marcelo inverteu, colocando a base para baixo. Ou seja, com o simbolismo representando um mergulho no inconsciente, como se fosse um caminho, primeiro o mergulho e depois e emersão, com conhecimento do que estava no inconsciente. Ele focou o método para questões subjetivas e voltadas ao autoconhecimento. Por exemplo: Por que eu não consigo segurar meu dinheiro? Na prática, você sabe. “Dinheiro na mão é vendaval.” Mas o porquê de se agir assim, você não sabe. Com A Ferradura que o Marcelo inverteu, é possível entender o porquê, as causas dessa atitude em relação ao dinheiro.
No caso do Caracol, essa aluna minha – de origem oriental, muito estudiosa e metódica – queria entender a dinâmica dos Arcanos sucessores e ressonantes. Então, ela desenhou a disposição entre tais Arcanos e identificou a forma do caracol, colocando o arcano sucessor na frente e o ressonante abaixo. A cada final de curso que ministro, eu sugiro que cada aluno apresente um trabalho na formatura. E esse momento de celebração também se transforma num minisseminário. Quando ela apresentou o desenho, eu achei muito interessante. E comecei a aplicar esse Método denominado Caracol, tenho testado e ele tem apresentado resultados muito interessantes. Tem respondido de uma forma prática e objetiva questões subjetivas e voltadas para o autoconhecimento. Assim como questões que aparentemente muitos tarólogos não gostam de interpretar: sobre amor (se vai dar certo uma relação com fulano), sobre se irá arrumar trabalho.
Essas questões, aparentemente superficiais, são as que estão angustiando as pessoas. Ninguém vive amplamente seu universo interior, ela vive o que está externo, embora as respostas estejam, muitas vezes, no inconsciente. E essas questões merecem ser respondidas. O bonito é que o Tarô responderá e mostrará ainda outros detalhes, oferecerá conselhos, enfim, ampliará o que antes parecia uma pergunta superficial. O Tarô vai mostrar se fulana irá arrumar um namorado e ainda mostrará mais detalhes, como o que ela pode esperar desse amor, o que ela tem de modificar para se harmonizar, etc. Ou seja, é mais do que falar se ela irá encontrar alguém para namorar. É uma responsabilidade do tarólogo atender as pessoas com as suas angústias, com as dúvidas e as perguntas que elas trazem para a consulta. Temos de atender a pessoa que chega só querendo saber se ela vai dar certo com “João.” Temos de atender a essa necessidade e apresentar para ela outro olhar, qualificar a consulta.
YUB: já citamos aqui a Comunidade Tarólogos de Minas Gerais que você e o Roger criaram. Falamos também do Orkut. Quais os pontos positivos e negativos das Comunidades de Tarô do Orkut?
LUCIENE FERREIRA:
Eu acho que o Orkut, ou melhor, que a internet amplia as possibilidades. Antes eu poderia discutir Tarô com o Rogério e hoje eu posso discutir com gente lá do Japão. Conheci grandes tarólogos pelo orkut como a Vera Chrystina, o Ricardo Pereira, a Márcia Freitas, Beth Castro, Ticiane Vilar além dos que já citei aqui, como a Ju e o Marcelo e tantos outros. A internet reduziu a distância física e temporal. Acho esse o principal ponto positivo da internet. E, por conseguinte, do Orkut. Essa é a facilidade. E, ao mesmo tempo, o maior defeito. Porque o mundo ficou pequeno com a internet. O mesmo mundo virtual pode esconder rostos. Aí vêm os fakes. Então, o mundo virtual, ao mesmo tempo que aproxima, também pode esconder e ser manipulado por pessoas mal intencionadas.
Isso acontece também no Orkut. Sem querer desqualificá-lo, porque aprendi muito com ele. Tudo bem que a gente pode aprender com as experiências dos outros. Mas tenho percebido algumas pessoas que estão abusando e desvirtuando isso. Tem alguns tarólogos que se colocam ali apenas para buscar respostas para questões pessoais. Não vejo mal nisso, mas acho que alguns estão querendo que o Tarô confirme o que ela quer ouvir. Como, por exemplo, gente que diz que é Taróloga e que tem uma consulente de 33 anos, casada há cinco anos e quer saber se o marido, com quem teve uma briga, vai voltar para ela. Depois, diz que tem uma outra consulente de 34 anos, casada há quatro anos e recém-separada do marido, e que quer saber se o marido vai voltar pra ela. Mesmo recebendo constantes respostas do Tarô que NÃO IRÁ VOLTAR, a suposta taróloga insiste em publicar nas comunidades jogos e mais jogos mudando apenas pequenos detalhes. E todos percebem que é a mesma pessoa, que joga para ela própria e está vivendo uma situação de separação. Quer que o Tarô confirme o que ela quer e modifique a vida dela. Quer usar o Tarô como uma Magia, que ele modifique a vida dele. Quer interferir no livre-arbítrio, mas não tem coragem de ir num centro de macumba, aí vem atrás do tarô (risos).. Isso acontece não só no mundo virtual, mas também no real. Tem pessoas que fazem a mesma pergunta de três maneiras diferentes.
YUB: você tem alguma preparação para uma consulta? Qual é a dinâmica da sua consulta?
LUCIENE FERREIRA:
Depende. Se for atender um cliente pela primeira vez, ao marcar a consulta, eu peço o nome completo e a data de nascimento, para eu calcular seus Arcanos Pessoais. Assim me preparo melhor. No momento da consulta, coloco um pano sobre a mesa, a fim de não estragar as cartas. Coloco um copo d’água para harmonizar o ambiente… Gosto de acender incenso. Mas pergunto se a pessoa gosta, se não tem alergia.
Tenho também vários objetos aqui, como esses anjinhos, enfim, todos presentes que ganho. Mas sem exageros. Não quero um ambiente cheio de coisas. Tem de haver harmonia. Tudo para o cliente relaxar. Ponho uma musiquinha. tranquila E falo um pouco sobre o Tarô, explicando algumas questões. Uns dois minutos. Aí falo sobre os Arcanos Pessoais do cliente, o que já transmite confiança. E jogo o método Mandala. Raramente utilizo outro jogo, porque o Mandala responde tudo. Algumas vezes, faço uns outros jogos, como o Templo de Afrodite que fiz para aquela cliente que já citei. Vou falando aos poucos e voltando às casas anteriores sempre que necessário.
Ao interpretar o Mandala, não estou seguindo a ordem de interpretar cada par de Arcanos na ordem linear, tradicional: 0, 1, 2, etc. Hoje eu abro para diminuir a ansiedade de meu cliente. Se ele quer saber primeiro sobre relacionamentos, não vou falar sobre dinheiro (a Casa 2). Não falar da mãe dela (Casa 4). Nem dos irmãos (Casa 3). Porque se fizer isso, até chegar na Casa 7 (relacionamento), ela já morreu de ansiedade. (risos). E vai querer ir embora. Se ela está preocupada com o trabalho então vou ler primeiro a 2, a 6, a 10. Então, estou focada em diminuir a ansiedade do cliente. Em atender a necessidade do cliente. Não acho que tenha problema maior ou menor. Uma preocupação que para mim pode ser pequena, pode ser a principal questão para ele.
YUB: Qual o Arcano que você mais gosta, que mais tem afinidade?
LUCIENE FERREIRA:
Eu vou falar e as pessoas vão achar que eu sou louca. Eu tinha uma birra com ele. Depois comecei a ter paixão por esse Arcano. É O Pendurado! Ele é muito intrigante, porque vê o mundo por outra perspectiva.
Uma aluna tinha o Pendurado como Arcano de Vida e tinha birra dele, como outra que tinha A Torre como Arcano Pessoal e vivia dizendo que queria ficar livre dele. Ambas estavam doidas para ficarem livres deles. A Dodôra ficava brava com a Torre e dizia sempre que ficaria livre dessa Torre. Eu insistia que não tinha jeito, porque o nome que ela nasceu era aquele e pronto. Foi quando ela me disse que aquele nome era o de casada!! Veja bem, aí ela ficou livre da Torre! Conseguiu! (risos) Era tão torre que derrubou o próprio arcano! Mas na verdade ela é O Diabo. E a Sávia Lima ficou triste ao saber que era O Pendurado. Então eu sugeri a ela fazer um estudo sobre esse Arcano e apresentá-lo no dia da formatura. Ela fez. E ficou muito interessante. Ela é psicanalista e fez um estudo fantástico. Mostrou que a posição do Pendurado é a mesma de quando a gente nasce, que é, também, uma das mais importantes posições da ioga.
E para completar meu encantamento com esse arcano, eu assisti a uma reportagem, na qual um especialista dizia que nós vemos o mundo de cabeça pra baixo. A lente de nosso olho inverte a imagem natural do mundo para o enxergarmos como enxergamos. Ou seja, a imagem real é invertida. Nesse momento eu pensei, então quem vê o mundo de cabeça pra baixo não é O Pendurado, somos nós. O Pendurado vê o mundo com os olhos do Criador. Eu achei tão interessante…Ele pode ser um arcano cômodo, mas que também te abre outras possibilidades. Talvez seja o momento de você se desapegar da matéria, aquela pausa necessária, o autossacrifício por uma causa maior.. Então, tenho gostado bastante do Pendurado, mudei minha visão dele..
YUB:
Tem algo que você quer falar que eu não perguntei?
LUCIENE FERREIRA:
O que tem me incomodado muito são alguns Tarólogos que tenho visto na internet. Tenho observado quase que uma corrente de Tarólogos com uma visão que me deixa triste, que querem aprisionar o Tarô. Fazer do Tarô quase uma ciência exata. Desqualificam as pessoas que são mais intuitivas. Querem enjaular as simbologias. A liberdade do intuir é muito importante. E eu já tive a oportunidade de ver pessoas que criticavam e condenavam publicamente o uso de rituais, e, em sua prática, elas próprias se utilizavam dos mesmos.
O Tarô pede responsabilidade sim. Mas o Tarô lida com a alma. Não é ciência exata. São 6 bilhões de universos diferentes no mundo, são seres humanos. Cada um é único. O Tarô você não lê só com a mente, mas também com o coração. Gostaria que as pessoas não fossem tão cartesianas na leitura do tarô. Quando a gente é muito racional numa leitura, depois a gente percebe o tanto que se perde por ter deixado passar detalhes, por não termos conversado com as Cartas, de passar mais do que o simples significado..
Bem, isso tem me deixado chateada, mas por outro lado, fico muito feliz com a turma de tarólogos de Minas Gerais. Nessa minha caminhada pelo tarô, tive e tenho a felicidade de conhecer pessoas muito especiais em Belo Horizonte. Estamos formando um grupo de grandes e importantes profissionais que, certamente, estão contribuindo muito para a evolução do tarô. Com certeza, eles ainda serão muito conhecidos fora de Minas.
YUB: MUITO OBRIGADO, Lu!! ADOREI!! Valeu mesmo!
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Desde quando comecei a fazer cursos com a Lu, eu fiquei maravilhado com a capacidade dela de interpretar a simbologia dos Arcanos de uma forma precisa, simples, objetiva e profunda. A forma como ela lê o Tarot é de uma singeleza prática e exata que me impressiona até hoje. Sou MUITO grato por tudo que aprendi e ainda aprendo com ela. Creio que vocês, após a leitura desta entrevista, perceberam esse olhar e essa postura especiais que a Lu possui em relação ao Tarot.
Beijãozão nocês…
Yub