ENTREVISTA COM ROGÉRIO NOVO
YUB: Como você foi apresentado ao Tarô?
ROGÉRIO NOVO: O misticismo sempre esteve presente em minha vida. Aliás, na vida de qualquer ser humano. Desde muito pequeno eu me interessava pelas estórias de Sacy Pererê, Mula Sem Cabeça dentre várias outras contadas pelas domésticas. Gostava de ler o Sitio do Pica Pau Amarelo, de Monteiro Lobato. Todas essas brincadeiras que faziam parte do imaginário popular, muito ricas por sinal, e me envolviam.
Um exemplo: quando eu era menino, tive um problema no pé. Foi depois da morte do meu pai. Meu pé enchia de uma espécie de espinha d’água. Minha mãe, então, me levava em diversos “curandeiros”, em locais que me fascinavam. E aquele universo de magia me fascinava. Tanto é que quando comecei a ler sobre o Rei Artur, e Merlin me fascinou intensamente.
Com o tempo, minha racionalidade começou a crescer e esse universo místico ficou afastado de mim. Até que retomei a leitura dessas estórias, como As Brumas de Avalon.
Na leitura descobri que a Astrologia era usada como instrumento para guiar os viajantes desde o tempo dos fenícios. Então me interessei pelo estudo astrológico. Li bastante e fui cada vez achando mais interessante. Daí passei para o estudo do I Ching, cristais, velas, florais, comecei a me submeter à cromoterapia. Nessas buscas e estudos, cheguei ao Tarô.
Comecei a mergulhar mais no Tarô. E me identifiquei completamente. Senti que o Tarô realmente era o que eu queria. Na época, havia poucos cursos disponíveis, assim como livros. Comprei um dos únicos que vinham com um baralho, o Mitológico. Estudei e passei a praticar, jogando para as pessoas. Nesses jogos, percebia algo estranho. Só fui entender depois de algum tempo essa estranheza.
YUB: O que de esquisito aconteceu nessas suas leituras e percepções ao jogar com o Tarô Mitológico?
ROGÉRIO NOVO: Eu jogava a Cruz Celta com o Tarô Mitológico. Achei esquisito Arcano Menor funcionar como obstáculo a Arcano Maior. Não fazia sentido pra mim. Só depois a gente encontrou vários livros que mencionavam a regra: Arcano Menor nunca prevalecerá sobre Arcano Maior. Mas na época, eu apenas achava que tinha algo errado nessa dinâmica entre Arcano Menor e Maior.
Então, comecei a procurar Tarólogos em Belo Horizonte, interessado em fazer um curso. Com muita dificuldade, encontrei um e fui até ele. Ouvi aquela história: “Você tem dom, você é muito intuitivo, você tem isso e aquilo.” Fiz um curso com ele sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarô, o Mitológico. E não fiquei satisfeito. Mas comecei a ler para outras pessoas.
Porém, o que eu via ali no jogo não era aquilo que eu deveria dizer ao consulente, conforme aprendera no curso do Tarô Mitológico. A pessoa fazia uma pergunta, eu pegava o livro e buscava ler o que estava lá. E não concordava com o que ali se encontrava, que era díspar do que as cartas aparentavam dizer. Não batia. Decidi parar de jogar para as pessoas e voltar a mergulhar nos estudos do Tarô.
Só que era muito difícil encontrar um livro para comprar. Internet ainda era muito incipiente. Era loucura comprar algo na rede, dar o número do seu cartão de crédito. Nos livros que eu conseguia ter acesso, o conteúdo era extremamente místico, supersticioso. Como aquela história de ter dois baralhos, um para estudos e outro para jogar. E o que se jogava, o consulente não poderia pôr as mãos de jeito nenhum, pois passaria sua energia para o baralho. Até mesmo baralhar e cortar as cartas em montes era algo que o tarólogo tinha de fazer. Se o consulente tocasse no baralho, tinha de queimá-lo. Isso me incomodava bastante. Puxa… custa caro, né? rsrs O primeiro baralho que eu comprei, da U.S. Games, custou muito caro. Os livros a que tinha acesso exageravam no aspecto místico, como os livros cabalistas. Eles apregoavam uma reverência a um sagrado do Tarô que era algo absurdo de exagerado. Acentuava-se o ritual, que chegava a ser mais importante até, que deveria ser seguido para jogar o Tarô.
Então, um dia, entro numa loja e vejo um funcionário colocando nas estantes vários livros. Um deles era o volume I da Trilogia do Nei Naiff: Peguei, comecei a ler e o vejo abordando essa conotação mística envolvendo o Tarô. Falei: “É isso, gente!” Assim, passei a reestudar. Voltei a jogar Tarô, mas apenas para algumas pessoas. Com o tempo e o crescimento da internet, passei a comprar outros livros.
YUB: O que mais te fascina no Tarô?
ROGÉRIO NOVO: O que mais me fascina no Tarô é a história dele e estudar Métodos de se jogá-lo. E buscar a história dele é importantíssimo, para entendermos a sua essência – e até a essência do ser humano. Esta se encontra diluída nas diversas alterações e deturpações que o Tarô sofreu ao longo dos anos, como a influência do ocultismo que quis dissociar a origem dos Arcanos Maiores ao trocar o nome de vários Arcanos para um termo que não o vinculasse à Igreja Católica: Alta Sacerdotisa em vez de Papisa, Mago em vez de Mágico/Ilusionista, Torre em vez de Casa de Deus, Hierofante em vez de Papa. Pura besteira!
A partir do momento que você consegue identificar a origem de alguma coisa, o que o Tarô te faz refletir? Querendo ou não, você reflete. De que forma? Quando você pega uma carta para estudá-la. Quando você pega um texto para ler. Quando você faz um jogo para você mesmo. Quando você faz um jogo para o consulente. Porque na hora que você joga para o consulente, você acaba se vendo naquele jogo. Você percebe que você faz o mesmo que o consulente e reflete sobre isso “Caramba! Como eu embarquei numa furada dessas? Preciso rever meus conceitos sobre isso.” Isso se você for um estudioso sério.
YUB: Você é formado em Direito. Então, o que de seu lado acadêmico você colocou e coloca na sua prática como Tarólogo? Você vê semelhanças entre a advocacia e o Tarô?
ROGÉRIO NOVO: O que mais me fascina no Direito é sua história. O profissional do Direito tem a capacidade de abstrair de sua realidade (dos seus dogmas pessoais) para defender um cliente. A conotação da lei que irá aplicar é mais apropriada e significativa do que seus dogmas. Por isso, o profissional do Direito precisa se distanciar destes e usar o que a lei dita para o caso que defende. Tem que deixar de lado as suas convicções pessoais para atender o cliente de acordo com que a lei dita. E essa postura para o Tarólogo é fundamental. Ou seja, quando um consulente chega para você e faz uma pergunta, ele não quer saber a sua opinião. O consulente quer saber o que o Tarô vai responder para ele.
Ao mesmo tempo, o operador do Direito tem que estar preparado para empregar as normas e documentos apropriados, de acordo com o caso específico. Igualmente, o Tarólogo tem que estar preparado para ajudar o consulente a elaborar uma pergunta adequada para o que deseja saber do Tarô, pois o oráculo é extremamente objetivo.
Existe uma tendência em se conhecer apenas os significados de cada Arcano. Primeiramente, numa consulta, é mais importante se preocupar com o modo como a pergunta deve ser feita. Por exemplo: vejo muito nas listas de discussão e comunidades do orkut uma pergunta: “Vou passar no concurso?” Para começar, essa pergunta já foi elaborada errada. O que o cliente realmente quer saber? Tem que primeiro entender isso. Para que você faz um concurso? Ou você faz um concurso para angariar pontuação que poderá ser decisiva no critério de desempate num futuro concurso, o qual você realmente quer passar, ou faz o concurso que você almeja de fato passar e trabalhar no respectivo cargo. Então, quando um cliente chega com essa pergunta “Vou passar no concurso?”, é importante saber o que ele realmente quer. “Eu quero passar no concurso porque eu quero trabalhar aqui.” Quantas vagas tem neste concurso? “Trinta vagas.” Então, você quer saber se você ficará entre os trinta primeiros colocados? É isso que você quer saber? “É!” Então, o tarólogo vai orientar o consulente a se concentrar nessa pergunta: “Você irá se classificar entre os trinta primeiros colocados neste concurso?” Porque se você jogar: ”Você vai passar neste concurso?”, você pode até passar, mas ficar numa posição bem superior ao número de vagas disponíveis, que não lhe permite ser classificado, ser aprovado. O consulente passou, mas não foi chamado. Ficou de fora. Daí ele depois dizer que você não sabe ler Tarô, é picareta. É, na verdade, incompetente. Porque não soube conversar com o consulente para elaborar a questão adequadamente.
Outro exemplo que acaba detonando muitos tarólogos e estudantes de tarô é a questão judicial. Se o Tarólogo não sabe o procedimento judicial de um processo, ele não conseguirá elaborar uma pergunta. E o cliente quer saber se ele irá ganhar determinada causa na justiça. O Tarólogo, então, faz esta pergunta. Vamos supor que o julgamento seja mês que vem. Ele pode não saber que uma causa tende a ser ganha quando é julgada em última instância. E faz a pergunta: “Você ganhará a causa no julgamento do dia tal (mês que vem)?” O Tarô mostra que SIM. Ok. Só que o processo vai para recurso. Ganhou na primeira instância, mas perde na segunda. Depois torna a perder na terceira. E se for o caso de levar para quarta, perde também. Ou seja, não ganhou a causa. Apenas ganhou na primeira instância. Então, pelo fato do tarólogo não entender esse procedimento judicial (que é muito mais amplo do que imagina), não elabora corretamente a pergunta e não responde adequadamente a dúvida de seu cliente.
Portanto, a semelhança entre a postura do profissional do Direito e a do Tarólogo gira em torno dessa abstração/distanciamento de suas crenças pessoais, de modo a se concentrar no que o Tarô responde, bem como na preparação para desempenhar adequadamente sua função. Tarólogo, no exercício de seu trabalho, não pode ter opinião, não tem que ter opinião. Pode, no máximo, aconselhar. E, ainda assim, somente de acordo com as Cartas de Tarô que saírem no jogo do cliente.
YUB: Explique melhor essa questão do aconselhamento.
ROGÉRIO NOVO: O Tarô tem um lado adivinhatório ao mesmo tempo em que tem o lado que propicia o aconselhamento. Está embutido em determinado Arcano o conselho que ele traz. E você pode mostrar ao consulente que ele poderá usar desses detalhes que determinado Arcano aconselha para poder alterar algum resultado.
YUB: Você está se referindo ao livre-arbítrio?
ROGÉRIO NOVO: Eu não creio que exista livre-arbítrio. No momento em que você é sugestionado a tomar alguma decisão, você já deixou de ter livre-arbítrio. A decisão já foi sugerida para você. Filosoficamente, refere-se o livre-arbítrio principalmente às ações e à vontade humana, e pretende significar que o homem é dotado do poder de, em determinadas circunstâncias, agir sem motivos ou finalidades diferentes da própria ação. A partir do momento que você foi sugestionado sua ação deixa de ser imotivada!
YUB: Mas você tem o livre-arbítrio de aceitar ou não essa sugestão, não?
ROGÉRIO NOVO: Isso não é livre-arbítrio. Você tem duas opções que já te foram indicadas: aceitar (fazer isso) ou não aceitar essa sugestão (fazer aquilo). Na há imotivação.
YUB: Explique melhor através de um exemplo com o próprio Tarô.
ROGÉRIO NOVO: Vamos lá! Utilizemos o MÉTODO de três Cartas: Passado, Presente e Futuro. Um MÉTODO não é uma Casa. Nesse caso, ele não se limita à Carta do passado, ou à Carta só do futuro. Ele é uma combinação de todas. A Casa 1 (que é a origem de tudo) vai refletir na 2. Esta, portanto, é reflexo da 1 e, consequentemente, vai refletir na 3, a qual irá absorver toda a dinâmica das Casas 2 e 1 para oferecer um resultado.
No passado, estava acontecendo isso aqui. E gerou esta situação presente, agora. Esta situação está levando a um fracasso ou a um sucesso no futuro? Esse fracasso pode acontecer de uma forma ou de outra. De uma forma dolorosa ou de uma forma amena para o consulente. Se você quiser aceitar esse fracasso, você pode aproveitar o ensinamento que ele vai te trazer para que uma situação futura se torne amena. Você pode alterar esse resultado? Eventualmente sim, se você conseguir seguir a parte orientadora da Carta, o que, diga-se de passagem, é muito difícil. Se você fizer isso aqui e aquilo mais, pode até alterar o resultado para uma situação diferente da que está sendo indicada aqui como futuro.
Vamos supor que está indicando uma Torre no resultado. No presente, a Lua (confusão). Você não sabe o que vai fazer (Lua) atualmente (Casa 2/Presente). E ainda acompanhada de um 4 de Espadas. Ou seja, você não sabe o que fazer (Lua) e encontra-se letárgico (4 de Espadas). Se você conseguir coordenar suas ideias com relação ao passado, isto é, o que o passado está mostrando aqui? – está te mostrando isso, se você conseguir tirar a confusão que a Lua está mostrando e sair dessa letargia do 4 de Espadas, você até poderá “alterar” esta Torre do futuro para, quem sabe, um Pendurado, por exemplo. Não quer dizer que está fadado a acontecer isso. Mas você pode minimizar isso. Ou seja, ao invés de ter uma Torre, você terá um Pendurado no futuro. Uma Torre com o 9 de Espadas pode até se tornar um Pendurado com 9 de Copas.
De que forma o livre-arbítrio entraria nesse caso? De forma alguma, pois qualquer ação decorrente de um sugestionamento deixou de ser imotivada!
YUB: Esse conselho para uma mudança de postura estará baseado nos atributos da Lua e do 4 de Espadas ou não? Por exemplo: A pessoa está confusa (Lua) e letárgica (4 de Espadas). Para ela não gerar uma Torre no futuro, a partir do próprio ensinamento da Lua, tipo se sintonizar melhor, ter um astral melhor, ter mais acesso às mensagens dos sonhos, com o poder de reflexão e de análise do 4 de Espadas é que ela vai mudar o futuro? Ou você acha que esse conselho precisará ser baseado numa outra perspectiva?
ROGÉRIO NOVO: Não. É seguir o conselho que a Lua e o 4 de Espadas mostram. A Lua aconselha o consulente a se centrar, porque ele está confuso. Precisa se centrar. O Conselho é você ver o que o Arcano diz sobre como você está agindo e como poderá/deverá agir. Se você conseguir mudar a sua postura, de acordo com o simbolismo dos próprios Arcanos do jogo, ótimo. Não é o seu palpite. Não é também aquele lance de Arcano Oculto, Arcano Ressonante, Sucessor, etc.
YUB: Quais os livros que você considera imprescindíveis para o estudo do Tarô? Quais aqueles que mais te marcaram? Ou eles são necessariamente os mesmos?
ROGÉRIO NOVO: Um imprescindível para quem está estudando o Tarô hoje em dia é o volume I – Tarô, ocultismo e modernidade, da Trilogia do Nei Naiff – que foi o que mais me marcou, conforme já disse nesta entrevista. Porque ele refuta todo o misticismo que querem incutir no Tarô. Ele é fundamental não só por causa disso, mas principalmente. Tira essa ideia macabra de que “Você precisa de ter dom para jogar o Tarô. De que você precisa de pedir licença para seus mestres, para os mestres ascensionados, para jogar Tarô. De que você não pode cobrar para jogar o Tarô, senão você vai perder o dom.” Enfim, essa bobajada toda.
Veja bem. Eu não descarto crença pessoal. Se você se sente melhor num ambiente tranquilo, com música new age, incensos velas, etc., por exemplo, para jogar o Tarô, beleza, isso é com você. Inclusive, eu sugiro essa tranquilidade. Porque se o consulente chega para uma consulta, ele está em crise, desorientado. Se você, então, coloca uma musiquinha, baixinha, você conversa com a pessoa, olha as expectativas dela, mostra que o Tarô não vai resolver a vida dela, quem vai resolver é ela, que o Tarô é um instrumento para orientar. E que ela é que vai ter que tomar um rumo na vida dela. E é aí que retorno à questão do livre-arbítrio. A pessoa não quer tomar uma atitude diferente, mudar os hábitos, enfim, não quer fazer algo que irá mudar o cenário de sua vida, o qual foi mostrado no Tarô. Ela não vai mudar nada. Então, onde que está o livre-arbítrio? Na primeira dificuldade que a pessoa se deparar ao tentar mudar algo, se de fato quiser, ela manterá as coisas como estão, como se aquilo fosse uma fatalidade, sem opção de escolha. Ou seja, tem o livre-arbítrio? Tem. Mas não tem o real desejo de querer mudar as coisas. E isso é pessoal, de cada pessoa.
Então, voltando à pergunta, eu considero importante ler todos os livros de Tarô. Na ordem: Gebellin, Levi, Papus, Waite. Crowley eu dispenso, porque ele é muito doido. Ele dá uma outra conotação completamente diferente ao Tarô. Para mim o Tarô de Crowley não é Tarô. É um oráculo completamente à parte. Uma coisa diferente. Ele deixa de ler o Tarô como a gente concebe o jogo. É a minha opinião. Respeito quem pensa diferente.
Enfim, existem vários livros. Todos fazem tipicamente a mesma coisa: pegam um Arcano e oferecem palavras-chaves sobre cada Arcano. Num livro, você encontrará três ou quatro palavras-chaves. No outro, você lerá mais três. Destas três, uma será diferente daquelas quatro do livro anterior. Na hora que você faz um apanhado geral, de repente você montou uma espécie de repertório. E dependendo da situação de leitura de um jogo, você usará uma determinada palavra-chave que será muito apropriada para um Arcano numa respectiva Casa de determinado Método. Porque o Arcano representará algo peculiar, em função da Casa em que ele se encontrar. Por exemplo, uma palavrinha-chave para o Mago na Casa 1 do Mandala não será bem usada para o Mago na Casa 9. Então, no momento que você estiver lendo o Tarô para uma pessoa, você saberá qual a melhor palavra-chave para usar. Por isso, por pior que seja um livro sobre Tarô, você poderá encontrar ali uma palavra muito precisa para traduzir determinado Arcano.
E o maior instrumento na prática do Tarólogo, por incrível que pareça, não são as Cartas. É a palavra!! O que adianta ter uma Carta como O Diabo em determinada Casa e você não souber usar uma palavra que o consulente entenda? E se usar uma linguagem rebuscada, como você irá traduzir aquela informação para um consulente mais simplório? Se a faxineira do seu prédio, por exemplo, chega para fazer uma consulta com você. E você fala para ela: “Você precisa recompor todos os laços familiares que a ligam à sua prole.” Ela, já constrangida e perturbada por conta do que está sofrendo, terá dificuldades para entender as palavras usadas por você. Justamente por se sentir mais acanhada, irá te agradecer no momento e depois refletirá, confusa: “o que ele quis dizer com prole? O que é prole?”
Então, o mais importante, não somente para os Tarólogos que estão estudando, mas para qualquer pessoa, é o “velho pai dos burros”: o dicionário. Sem o “pai dos burros” ao seu lado, você poderá repetir a palavra “divinatório” e achar que está dizendo a coisa mais linda e sagrada do mundo.
YUB: Você joga o Tarô para você mesmo? Qual o Método que você mais utiliza?
ROGÉRIO NOVO: Jogo. O que eu mais uso é um MÉTODO criado pelo Nei Naiff. O MÉTODO DA SEMANA. Um par de Arcanos representando cada dia da semana. Joga-se hoje para começar a valer a partir de amanhã. Eu venho jogando há muito tempo. E sabe o que eu percebi? Com o passar do tempo você percebe que quando sai um Arcano considerado desafiante, você não fica mais naquela reação temerosa, esperando uma catástrofe. Quando sai a Torre, por exemplo, pode ser simplesmente a faxineira não vai trabalhar na sua casa. Te causa um desconforto enorme, por conta dessa ausência dela; só semana que vem ela poderá vir. E isso te deixa triste, mas não é nada catastrófico. Acho que a gente tem que se despregar desses conceitos. E desses pré-conceitos que a Carta pode traduzir. Um Sol com 10 de Ouros, por exemplo, pode indicar que naquele dia foi simplesmente conseguir consertar alguma coisa dentro da sua casa, que você achava que daria um trabalhão e não foi assim. Você estava enrolando em lidar com esse conserto, mas naquele dia (com Sol/10 de Ouros) você levantou disposto a consertar aquele problema na sua casa. E num instante você conserta e fala: “beleza, consegui mais rápido e fácil que imaginava.” A manifestação prática do Tarô não é esse exagero todo que a gente vê por aí.
YUB: Qual Arcano que você considera ser o mais deturpado, mais mal-compreendido e mais mal-interpretado pelo senso comum?
ROGÉRIO NOVO: Eu considero que o mais deturpado é o Diabo. Principalmente por causa da figura presente na carta. Crescemos num meio cultural (pelo menos aquele que nasci) em que o Diabo vem impregnado daquela imagem e conceito criados pela Igreja. Aquela visão de que o Diabo é o lado podre, peçonhento das coisas. E, muitas vezes, a gente tem de ser um “Diabo” mesmo. Você tem de ser sacana algumas vezes para conseguir um objetivo. Ser um sacana como? Se está marcada uma entrevista de emprego para as 14 h e você sabe que, se chegar às 13:50 h terá dez minutos de contato exclusivo com o entrevistador. O cara resolve adiantar, te entrevista e você aproveita o momento para dizer suas reais capacidades para assumir aquele cargo, dourando um pouco a pílula, mas sem precisar mentir. O fato de ter, espertamente, chegado antes foi crucial para você conseguir o emprego.
YUB: Existe um Arcano que você mais gosta, que você mais se identifica?
ROGÉRIO NOVO: O que eu mais gosto, o que mais me atrai, é o Eremita. Eremita lembra o Merlin, pelo qual sempre fui fascinado. E também me lembra Diógenes, que sai com uma lamparina de seu barril para buscar o conhecimento. Eu tenho esse lado de querer buscar todo o conhecimento possível. Eu me sinto incomodado se, ao ter de fazer algo, não souber o máximo de detalhes possíveis para realizar bem tal tarefa.
YUB: E existe um Arcano que você não gosta, daqueles que quando sai em algum jogo de Tarô seu, você diz: “Ixi, saiu este Arcano!?!”
ROGÉRIO NOVO: Depende do jogo, do método que uso, da Casa que sai. É algo bem relativo. Não tem um especificamente que me incomode, não. Não tem um Arcano que eu deteste. Tudo depende do jogo. Com o Jogo da Semana, eu descobri que nenhum Arcano é esse terror todo.
YUB: Quais os pontos positivos e negativos que você percebe da prática do Tarô na internet, seja nas comunidades do orkut, nos sites, etc.?
ROGÉRIO NOVO: O que eu VIA de bom é que existia uma maior integração, principalmente quando as comunidades não podiam ser fechadas. Com a opção de se fechar a comunidade e não permitir que as pessoas falem na comunidade esvaziou completamente o barato da troca do Tarô na internet.
O Tarô não é feito para se jogar em público, como vemos nos jogos nas comunidades de Tarô, apesar de pretenderem afirmar que aquilo é um “estudo” sobre um jogo “confuso”. Porque é uma prática em que se deve preservar a privacidade do consulente. Há uma exposição exagerada das situações de vida de cada pessoa nas comunidades do orkut, mesmo naqueles jogos em que quem posta diz ser para um amigo, uma amiga, uma prima, um cliente. Fica evidente que, em muitos desses jogos, é a própria pessoa que postou que perguntou.
Não se tem nem oportunidade de orientar a pessoa a elaborar melhor a pergunta. As pessoas já vão publicando jogos feitos por perguntas que, muitas vezes, estão mal elaboradas. A mesma pessoa coloca a mesma pergunta em várias comunidades diferentes. Algumas vezes, essa pessoa tenta alterar o formato da pergunta, inventa um “fake” para postar um jogo semelhante. Ou seja, o teor da pergunta é o mesmo. Enfim, banalizou.
As comunidades que têm mais conteúdo de estudo são muito mais interessantes. O problema é muitas pessoas estão deixando de colocar esses estudos nas comunidades do orkut para colocar em seus blogs.
Outro ponto negativo é o caso da Vera Gomes. Ela pegava textos do site Clube do Tarô e colocava textos dali na comunidade dela. Tira pessoas que poderiam ir ao site ler, porque elas liam na comunidade. No estudo que fiz sobre o Cruz Celta (http://www.clubedotaro.com.br/site/p52_4_rogerio_metodos.asp), falei com o Constantino que publicaria apenas na comunidade Tarólogos de Minas Gerais. E fiz isso. Só que a Vera levou para a comunidade dela o que eu escrevera, sem pedir autorização nem ao Constantino nem a mim.
Teve um caso similar: um estudo que vinha fazendo, compartilhei com algumas pessoas para refletir a respeito. Sem perguntarem se poderiam fazer, pegaram e publicaram numa comunidade. Por mais que o creditassem a mim, eu ainda não tinha finalizado o estudo, quer dizer, o texto ficou capenga.
Essa banalização me incomoda.
YUB: O que te levou a criar a Tarólogos de Minas Gerais?
ROGÉRIO NOVO: A intenção era – na época que criei – reunir os Tarólogos de Minas Gerais. Simplesmente isso. Reunir o pessoal daqui, trocar ideias, marcar encontros, porque aqui em Belo Horizonte não acontece nada nesse sentido.
YUB: Você e a Lu têm a bela iniciativa de trazer outros Tarólogos para Belo Horizonte, a fim de dar cursos. Você tem visto alguma mudança no público mineiro, nas pessoas daqui, em relação ao Tarô? No modo como as pessoas enxergam e lidam com o Tarô?
ROGÉRIO NOVO: Na verdade só trouxemos o Gian e a Vera Christina até hoje. Não apareceu nenhum Tarólogo, de Minas Gerais, nos Cursos do Gian. Alguém que poderia intercambiar. Vieram apenas estudantes. No caso do workshop da Vera, só veio uma pessoa diferente daquele grupo que temos formado em nossos cursos.
O Constantino, com o clube do tarô http://www.clubedotaro.com.br/site/index.asp, tem feito um trabalho fantástico em São Paulo com as mesas redondas. Aqui, é difícil. Eu já conheci alguns Tarólogos, e ouvi falar de outros, daqui de BH. Mas nenhum deles apareceu nesses cursos. Lá em São Paulo tem uma quantidade enorme de pessoas que trabalham com o Tarô. A Vera (Chrystina) tem dito que os debates nessas mesas-redondas têm sido fantásticos. Eu queria ter essas trocas profundas aqui em BH. Porém, é difícil reunir o pessoal daqui para essa dinâmica.
Mesmo nos grupos de estudo que conseguimos criar ao longo desses anos, ficavam três pessoas participando de forma irregular e umas quatro indo sempre. Foi produtivo? Foi. Produziu laços. E olha que em nossos cursos, com a didática maravilhosa que Lu tem, não temos a postura de donos da verdade. Nossa tônica é a de compartilhar a nossa visão, a nossa experiência, a nossa prática.
Já vi outros tarólogos, que prometem num workshop de final de semana de Tarô, “ensinar” até Física Quântica. Fala sério!
YUB: Você tem esse estudo belíssimo da Cruz Celta (o link está acima). E eu sempre te vi defendendo a importância de se ater a um MÉTODO. Gostaria que você falasse dessa importância dos MÉTODOS ao se jogar o Tarô.
ROGÉRIO NOVO: Discutindo com o Constantino antes de publicar o estudo do MÉTODO CRUZ CELTA, ele discordou da questão de considerar um MÉTODO como um SÍMBOLO. Respeito muito o Constantino. Temos uma visão diferente. Se um MÉTODO é chamado de CRUZ CELTA, como ele não pode/deve ser visto como um SÍMBOLO? O próprio nome já diz. Se um MÉTODO não é um símbolo, por que um chama Estrela de Davi? Por que Pentagrama Divino? Mandala? Todos eles não são símbolos? Por que não um símbolo para se jogar cartas dentro desse símbolo e ter o suporte de um símbolo? Por que os símbolos que são as Cartas não precisam de um símbolo como suporte para se encarar as Casas presentes em cada Método de uma determinada forma, para que uma Carta, ao sair naquela Casa, deva ser interpretada de uma determinada maneira?
Eu só fui dar importância a isso quando li no livro do Nei a importância dos MÉTODOS. Porque me fascinou ver o desenvolvimento de um jogo através de um MÉTODO, seguindo a disposição lógica das Casas, de acordo com o significado do símbolo que caracteriza cada MÉTODO.
O aprendizado da Geometria Sagrada me ajudou bastante para entender a importância do símbolo. E o quanto este retrata a base de um MÉTODO. O MÉTODO tem que se adequar ao símbolo e este dá um direcionamento melhor não só para o Tarólogo, mas também para o consulente. Se você segue essa ordem e o consulente observa essa ordem na sua consulta, a leitura flui muito melhor.
YUB: Qual é melhor MÉTODO ou o que você tem mais afinidade?
ROGER: Não tem. Depende. Tudo depende do “para quê”? Para qual tipo de questão você quer consultar o Tarô? Cruz Celta é um excelente Método para responder questões objetivas e temporais, principalmente quando você tem um tempo maior para interpretar. O Pèladan é ótimo para uma pergunta objetiva e temporal, quando você quer uma resposta rápida e seu tempo é curto. O Mandala é apropriado para saber sobre cada área da vida do consulente. Se tem um problema que está te emperrando, o MÉTODO BLOQUEIO é excelente. Para relacionamentos afetivos, o Templo de Afrodite. Então, o melhor método dependerá do tipo de pergunta se quer fazer ao Tarô. O ideal é escolher aquele método que melhor te responderá determinada questão.
YUB: Muito Obrigado, Roger!
OBS.: Sempre quis entrevistar o Rogério Novo. Gosto muito da postura criteriosa e exigente dele em relação ao estudo e à prática do Tarot (que ele gosta de escrever Tarô). Obviamente que nesta entrevista (assim como nas futuras, com outros tarólogos e tarólogas), não concordo e não concordarei 100% com cada um. Eu quero é dar voz aos meus colegas-professores. Quero que este Blog seja mais um local onde cada Tarólogo e Taróloga que eu admiro possa expressar sua maneira de estudar, ver e praticar o Tarot. E que quem aqui tiver o prazer de ler tais entrevistas, possa aprender com cada entrevistado. E se inspirar ainda mais na sua vivência tarológica.
Beijãozão nocês…
Yub