Filme O Palhaço e a redescoberta do prazer no trabalho.

Na semana passada, assisti com a Cris o filme O Palhaço, de Selton Mello. O ator (diretor e escritor/roteirista) nasceu no mesmo dia, mês e ano que eu: 30/12/1972. Por isso, gosto de ver o que ele produz como reflexo de seus questionamentos e vivências, porque me identifico com esse conteúdo. E aprendo como ele expressa certas facetas de sua personalidade ao comparar com o modo que eu as vivo.

No caso desse seu mais recente filme, fiquei admirado com o questionamento a respeito de trabalho e vocação. Selton representa o personagem Benjamim – o palhaço Pangaré. Está em crise quanto à profissão escolhida. Escolhida ou simplesmente aceita por conta da herança paterna? Seu pai também é palhaço.

Nessa crise, Benjamim vai revelando uma profunda perda de vitalidade, de disposição, de prazer. Falta alegria a quem tanto transmite alegria aos outros. Consequentemente, a produtividade de Benjamim vai minguando, minguando. Sua vida está imersa numa fase de muita aridez, tristeza, melancolia.

O interessante é notar nos detalhes do filme essa manifestação da crise de Benjamim. Logo na primeira cena a mensagem é transmitida. Benjamim está se maquiando dentro de sua tenda para se transformar no palhaço Pangaré. Entra a cigana (namorada de seu pai/Paulo José), suando pra caramba. Um calor tremendo ali dentro. Ela, então, diz:

– Falta um ventilador aqui. Você precisa de um ventilador.

É o chamado da ânima (do lado feminino na psique do homem) dizendo que falta vida ali dentro (no íntimo e na vida exterior de Benjamim).

Pronto. Inicia-se a jornada de Benjamim em busca de inspiração, vitalidade, paixão (ânima). E o ventilador se torna o símbolo dessa necessidade. Durante todo o filme, a saga em busca desse símbolo marca a trajetória de Benjamim.

Essa cigana, em vez de namorada, é amante do pai. Rouba dinheiro dele. É a ânima estrutural, ainda negativa. Ela não é ânima própria, aquela que nos deixa satisfeitos, nutridos emocionalmente. É símbolo, isso sim, da ambição de simplesmente ganhar dinheiro com nossa profissão, nosso trabalho – sem um verdadeiro prazer no exercício da vocação. Ela nos rouba energia vital.

Um marco do filme que mostra a escolha de Benjamim de ir em busca do que realmente lhe trará alegria na vida é quando ele decide sair da trupe, não ser mais palhaço. Quando ele abandona o circo, sincronisticamente, o pai de Benjamim revela à cigana que sabe do dinheiro que rouba. Pede a quantia de volta e não a leva mais consigo. Ele a expulsa da trupe. Benjamim não será mais guiado pela obrigatória necessidade de ganhar dinheiro. Não suportou mais trabalhar assim.

Nessa jornada longe da trupe, ele se vê envolvido com o processo de adquirir uma identidade própria. Até então, ele seguia os padrões do pai, da sociedade. Nasceu palhaço, numa família de palhaço, então, ele TEM de ser um palhaço. A obrigação ainda está associada ao trabalho. E isso o impede de sentir prazer no mesmo. Ele não tem uma identidade própria. Sua identidade é a do pai, a dos padrões familiares.

Isso é exemplificado no fato de Benjamim não ter uma carteira de identidade. Ele tem apenas a certidão de nascimento. Esta é a carteira de identidade que temos,  feita pelos pais. Quando sai do circo e vai até a cidade, ele vai para fazer uma identidade, a fim de não ficar mais usando a certidão de nascimento.

Na cidade, ele faz a carteira de identidade e compra um ventilador. Sincronisticamente, descobre que ele não foi feito para o trabalho burocrático que ele arruma ali. Redescobre seu eu, sua identidade. E o que realmente lhe proporciona prazer, alegria, vida: ser palhaço.

Ele retorna para o circo. E é notório o quanto Benjamim – representando Pangaré – está mais solto, mais alegre, mais cheio de paixão. Ele agora sim reconheceu sua vocação. E a exerce CONSCIENTEMENTE, de corpo e alma, com uma identidade própria. E isso traz vida para o picadeiro. Sua vida se torna mais arejada (ele tem um ventilador).

Não vou estragar a surpresa final com esse objeto e a criança interior. Só digo que a cena final fecha com chave-de-ouro o que esse(s) simbolismo(s) representa(m).

Antigamente, por ter feito uma escolha profissional bem diferente da de meu pai, tios, irmãs e primas quando rompi com a contabilidade (abandonando o curso pela metade e saindo do escritório de meu pai) para trilhar meu caminho na filosofia, na numerologia, na astrologia e no tarot, eu achava que todas as pessoas que repetem a profissão dos pais estavam repetindo um padrão, uma expectativa familiar e social.

Porém, aos poucos, fui percebendo que a gente pode ter a mesma profissão que os pais, mas exercê-la de um jeito próprio, de acordo com a nossa identidade. E isso o filme O Palhaço mostra magistralmente.

Sincronisticamente, um dia após ver o filme, na minha degustativa leitura de O PODER DO AGORA, de Eckhart Tolle, eu leio isto:

“A ausência de alegria, naturalidade ou leveza no que estamos fazendo não significa, necessariamente, que precisemos mudar o que estamos fazendo. Talvez baste mudar o como. Verifique se você pode dar muito mais atenção ao fazer do que ao resultado desejado através do fazer.”

Foi isso que aconteceu com Benjamim. Ele não precisou mudar externamente o que estava fazendo: exercendo a profissão de palhaço. Mas apenas mudou o como, o modo como desempenhava o seu trabalho como palhaço.

Então, se você está insatisfeito(a) com sua profissão, sua carreira, seu trabalho, talvez não precise mudar de profissão, basta exercê-la de um modo diferente – com mais prazer, alegria, leveza, naturalidade. E isso fará toda a diferença, porque preencherá sua vida de mais vida (paixão, vitalidade).

Beijãozão nocês…
Yub

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